Esse texto não é sobre turismo.
Não que eu não goste de turistar, muito pelo contrário, mas aqui vou falar de uma relação mais profunda com viajar e essa relação não tem muito a ver com conhecer lugares bonitos e famosos, mas com criar conexões e simplesmente… ir.
Desde que viajei a primeira vez me apaixonei pelas experiências que eu poderia ter mundo afora e sonhei com o dia em que eu pudesse trabalhar de qualquer lugar.
No início eu não sabia muito bem como realizar esse sonho, mas repeti ele tantas vezes para mim mesma e para os outros que as minhas escolhas, consciente ou inconscientemente, me levaram e estão me levando ao caminho.
Sou mineira e, em 2016, fui chamada para dar meu primeiro curso em Santa Catarina. De lá pra cá outros eventos começaram a me chamar para dar palestras e oficinas em vários cantos do país, lancei o meu curso e abri turmas em outros estados e, aos poucos, o meu sonho de viajar e trabalhar foi se tornando realidade.
O primeiro passo foi dado, mas ficar 3 dias nas cidades e na correria do trabalho ainda não era o que eu sonhava. Eu queria viajar para me conectar com os lugares, com suas pessoas, queria entender como é viver ali, e o tempo foi passando.
Em meados do ano passado (2019) me questionei porque estava me deixando ser refém da minha própria rotina. Eu estava sendo levada pelos meus próprios compromissos, pela sensação de estar atrasada, pelas definições de sucesso que os outros estipularam para mim: “você tem que crescer a sua empresa”, “você tem que se envolver com mais projetos”, “você não pode deixar a oportunidade passar”, “vc tem que estudar mais”, “você tem que se superar”…
Eu escutava tanto as vozes externas que a minha voz interna acabou silenciando, eu não estava dando a atenção devida a ela e ela nunca foi de insistir, respeitou o meu momento.
Finalmente consegui respirar e entender que o meu propósito de vida é o que, de fato, me faz querer existir. Eu não quero acreditar do que me dizem que é a felicidade, quero construir a minha própria definição. Sucesso pra mim não é ter muito dinheiro, comprar muitas coisas ou ser famoso, mas criar boas relações, experimentar o mundo, me sentir útil, aprender coisas novas, evoluir como ser humano, construir boas memórias, é estar onde e com quem me faz feliz, mesmo que essa pessoa seja a minha própria companhia e viajar me proporciona tudo isso.
“Quem, portanto, não ama a solidão também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre. Cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade. Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza, numa palavra: cada um sente o que é”
Arthur Schopenhauer
Eu havia planejado passar um mês em São Paulo, esse seria o verdadeiro passo inicial rumo à realização do meu sonho, mas no final de 2019 um amigo me convidou para passar um tempo em Floripa e eu vim, então agora, esse é o meu início. Cheguei no dia 31 de dezembro para passar o ano novo. Fui sem expectativas e foi essencial para estar aberta ao que a vida iria me apresentar.
Durante uma semana estive de recesso do trabalho e pude sair todos os dias para conhecer lugares lindos, curtir boa música e viver momentos simples e incríveis.
Já na virada do ano (que passamos na areia da praia vendo os fogos) tivemos um daqueles “rolês aleatórios” (que, cá pra nós, são os melhores). Num determinado momento, eu e minhas amigas fomos procurar um banheiro. Andando pelas ruas encontramos um restaurante já finalizando o expediente e pedimos para entrar. Permissão concedida desde que tirássemos as sandálias (até porque eles estavam limpando tudinho e não seriam 3 andarilhas alteradas que estragariam o trabalho árduo que tiveram). Entramos, fomos ao banheiro e na saída começamos a conversar com um dos donos e funcionários super bem humorados. De repente só me lembro de estarmos todos bebendo e dançando ao som de uma música típica gaúcha.
Em um outro dia decidimos ir a um bar, mas era ao ar livre e estava chovendo muito, então escolhemos, em cima da hora, um local que fosse fechado, sentamos e começamos a conversar. Foram as conversas mais louca que tivemos, com direito a garçonete participando e tudo. Fazia tempo que eu não ria até a barriga doer. Nesse mesmo local curtimos o som de uma banda em que o guitarrista imitava o James Brown com perfeição.
Na verdade se tem uma coisa que regou a minha estadia em Floripa foi a boa música, um circuito minuciosamente planejado pelo acaso: rock, funky, jazz com direito a jam session, ensaio de escola de samba, experiência Tim Maia e, claro, Bohemian Rhapsody cantada no carro a la “Wayne’s World” foram trilhas das últimas semanas.
No penúltimo dia antes dos meus amigos irem embora, eu e minha amiga Ana Paula decidimos ir até uma praia chamada Gravatá. Para chegar até lá é preciso fazer uma trilha de 30-40 minutos (com algumas subidinhas que qualquer designer sedentária considera bem intensas).
A praia é linda, foi o melhor banho de mar que tivemos.
Na volta começou a chover, achamos que seria uma chuva fina e passageira como as de costume, mas essa foi torrencial. Bolsas e roupas encharcadas, celulares correndo risco de problemas com umidade, lama escorregadia. Para qualquer outra pessoa esse seria um perrengue daqueles, mas foi uma oportunidade de nos conectarmos de verdade com a natureza, de nos sentirmos parte dela. Eu e a Ana fizemos a tilha inteira com leveza e concluímos algo muito libertador: que quando vivemos em contato com a natureza não há espaço para inseguranças. Sentimos que somos apenas uma parte pequena do todo e justamente por não sermos tão especiais assim é que percebemos que qualquer definição de auto-estima, seja alta ou baixa, é pura vaidade. A natureza nos devolve ao nosso verdadeiro lugar e nos faz exercitar a humildade.
Finalizamos a trilha com um copo duplo de caldo de cana merecido.
Se eu pudesse definir o meu dia favorito nesse viagem seria esse.
Bom, depois da primeira semana minhas amigas foram embora, meus amigos anfitriões foram viajar de férias e eu fiquei com alguns outros moradores da casa. Voltei a trabalhar e segui a minha rotina normalmente, mas com flexibilidade. Vivi um dia de cada vez, esse processo tão bonito na teoria e tão difícil na prática.
Com os barulhos da cidade natal silenciados pude entender as minhas próprias nuances, o que é que me move e como me move e esse é o meu maior prazer em viajar sozinha. Com os outros você precisa ter equilíbrio e fazer concessões, as reflexões geralmente são interrompidas pelo diálogo e o processo de autodescoberta acaba não sendo tão profundo. Quando você está só viajar é a oportunidade de se conectar com as pessoas, mas também mergulhar em si, o sabor do mundo parece mais intenso e os pensamentos organizados. Cada decisão gera uma consequência e você sabe que ela é toda sua, nada melhor do que ter a liberdade nas mãos.
Concluí mais uma vez que o caminho não é a parte mais importante da vida, ele é a própria vida! O fim para todos é o mesmo e quantas vezes a gente desperdiça o caminho nos comparando ou vivendo sonhos que não são nossos?
Uma das meninas que mora na casa onde fiquei é gastrônoma e vegana. Ela tem uma relação muito profunda com a comida e me ensinou muitas coisas. Faz um tempo que tenho diminuído o consumo de carne e com ela aprendi a deixar a minha mudança de comportamento mais consciente. Você pode acompanhar mais do trabalho dela AQUI.
Experimentei sushi vegano, hambúrguer vegano, descobri novas formas de olhar para o alimento, de prepará-lo com carinho e concluí que comer é muito mais simples do que constumamos achar.
Os moradores da casa foram uma verdadeira família. Não são uma república, são amigos que decidiram morar juntos e me receberam de braços abertos.
Aprendi com eles a como ver a vida de maneira tranquila, mas sem utopias. Não acreditando que um dia o mundo será perfeito, mas aceitando da melhor maneira aquilo que a vida me traz. Um dia tudo isso aqui acaba, as experiências virarão histórias, as fotos ficarão antigas e o que vai sobrar são os laços e memórias e a isso você chamará FELICIDADE.
Obrigada, amigos.