Azul para comida, pode?

Você, com certeza, já ouviu falar que vermelho e amarelo dão fome enquanto o azul tira o apetite. Muitos designers usam esse argumento na hora de criar identidades visuais para restaurantes ou qualquer empresa do setor alimentício. Mas será que isso é verdade ou mais uma daquelas regras que alguém inventou?

Você, com certeza, já ouviu falar que vermelho e amarelo dão fome e que cores frias, como o azul e o roxo, são capazes de tirar o apetite. Muitos designers usam esse argumento na hora de criar identidades visuais para restaurantes ou qualquer empresa do setor alimentício. Mas será que isso é verdade ou mais uma daquelas regras que alguém inventou?

Recentemente o Burger King atualizou a sua identidade visual e resgatou seu logo clássico da década de 70. Entre várias mudanças, destaca-se a paleta de cores que agora é composta por cores mais quentes e terrosas. Elas foram extraídas dos processos e ingredientes utilizados pelo BK e foram até nomeadas de acordo: “Fiery Red, Flaming Orange, BBQ Brown, Mayo Egg White, Melty Yellow e Crunchy Green”.

Em uma das falas do diretor mundial de marketing do Burger King, Fernando Machado, na entrevista dada à Business Insider, ele diz que “não há comida azul” e por isso a cor foi retirada da nova paleta do BK.

Sabemos que o design é, em suma, uma interpretação simbólica da realidade. Da mesma forma que não existe comida azul também não existem chocolates roxos ou tigres que se alimentam de cereais matinais. O compromisso do design não é com a representação literal de um objeto, mas com a união de signos. Vamos entender.

Uma das disciplinas que regem o design é a Semiótica, conhecida como a “Teoria Geral do Signo”, ela é essencial para entendermos como o trabalho do designer se dá para além, muito além, dessas regras rasas sobre qual cor um restaurante deve ou não utilizar.

Já sabemos, então, que a semiótica estuda o signo, mas afinal, o que é o signo?
Segundo Charles Peirce, um dos criadores da Semiótica, signo é uma coisa que representa outra coisa. Tudo pode ser um signo: um gesto, um tom de voz, uma cor, uma palavra, um quadro, um livro, um sonho, uma casa, uma cadeira, uma capa de revista, um carro, uma máquina, um prédio. Basta que essa coisa tenha a capacidade de representar alguma outra coisa qualquer, que é seu interpretante.

Imagine que são 16h de uma quarta-feira, você está no trabalho e sente o cheiro do café sendo coado. Esse cheiro te faz lembrar que é hora de pausar, esticar as pernas e recarregar as energias para as próximas horas. Nessa situação o café é o objeto, o cheiro do café é o signo e o pensamento de “hora da pausa” é o interpretante. Então você entende que cheiro de café = pausa.

Para um designer, esse pode parecer um exemplo abstrato e você deve estar se perguntando o que essa interpretação tem a ver com a profissão, então vou trazer para a nossa realidade. Quando você utiliza o desenho de uma xícara de café numa placa de sinalização para indicar que ali é a copa da empresa você está criando um signo. Aquele desenho de xícara (signo) representa um espaço de pausa e alimentação (interpretante).

Outros exemplos clássicos:

  • Cruz: é um signo que te leva até o interpretante que é a morte de Jesus.
  • Fita rosa: é um signo que te leva até o interpretante que é a campanha contra o câncer de mama.
  • Sinal vermelho: é um signo que te leva até o interpretante que é “pare”.

O Professor Vinicius Romanini, doutor em Semiótica pela USP, diz no seu artigo “Design como comunicação: uma abordagem semiótica”:

“O que é signo num determinado momento pode ser o objeto de um novo signo no momento imediatamente seguinte, o que nos permite renovar e ampliar o significado que emerge e se transforma continuamente. O signo é uma entidade dinâmica em contínuo desenvolvimento em direção a um interpretante final – uma idéia que tem uma realidade virtual, ou seja, que possui certas virtudes que tendem a se manifestar, condicionalmente, no futuro.”

Vinicius Romanini – Doutor em Semiótica pela Universidade de São Paulo

E é aqui onde eu quero chegar. Muitos designers utilizam o design como uma ferramenta para ilustrar a realidade de maneira literal, o que, para mim, é uma visão limitada. O design é capaz de combinar vários signos para despertar as mais diversas interpretações e isso é o que enriquece um projeto.
Assim como o cheiro de fumaça pode significar um incêndio, um churrasco, alguém se comunicando ou um novo papa, da mesma maneira uma cor, uma tipografia ou uma forma podem gerar inúmeros significados dependendo do contexto em que estão inseridas.

Um restaurante que trabalhe com peixes e mariscos, por exemplo, tem, como um dos seus principais elementos característicos, o mar. Então o mar é o objeto enquanto a cor azul é o signo que remete a esse objeto. A associação da cor no setor alimentício não necessariamente será ligada à cor da comida, mas ao universo conceitual da marca.

Dizer que um restaurante não pode utilizar azul na sua comunicação visual porque não existe comida azul é: 1. limitar a capacidade humana de criar significados, 2. dizer que a cor tem, sozinha, todo o poder de sustentar a percepção de uma marca e 3. reduzir a amplitude do design.

A Patties é uma famosa hamburgueria de São Paulo que começou com uma portinha e hoje vende mais de 200 mil hambúrgueres por mês. A cor principal da sua identidade é azul e isso não foi empecilho para que o público aprovasse o sabor e a marca fosse um sucesso:

As cores despertam, sim, emoções que acontecem por causa da coleção de signos que criamos ao longo da vida, mas elas nunca estão sozinhas.

“Não existe cor destituída de significado. A impressão causada por cada cor é determinada por seu contexto, ou seja, pelo entrelaçamento de significados em que a percebemos. A cor num traje será avaliada de modo diferente do que a cor num ambiente, num alimento, ou na arte.”

Eva Heller – Livro “Psicologia das Cores”

A ideia de que “vermelho e amarelo dá fome” e “azul para comida é proibido” é apenas um fragmento do que isso, realmente, significa. Existe uma construção cheia de nuances por trás dessas frases. Um designer que as replica como regra sem questionar pode até estar escolhendo pelo caminho mais fácil (o cérebro gosta de receitas prontas), mas, com certeza, não optou pelo caminho de quem quer construir algo original.

E você, já parou para se questionar de onde vieram essas “regras”?
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Fontes:
– Design como comunicação: uma abordagem semiótica
– Semiótica, teoria e classificação dos signos

6 comentários

  1. Amei o artigo. Simples, instrutivo, direto ao ponto. Me identifico demais com a sua visão questionadora e com a ideia que sempre passa de que devemos ir além do superficial, da receita pronta, de ir atrás da multidão. Afinal de contas, originalidade é um dom dos que não se contentam com a receita pronta, que é mais fácil. Até o próximo artigo 😉

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